Transtornos alimentares: um problema do século XXI?
- Giselle
- 6 de jun.
- 4 min de leitura

Os transtornos alimentares existem há muito tempo, tendo sido descritos inicialmente na literatura religiosa, por volta do século V e na literatura médica, a partir de meados do século XIX. Atualmente, no entanto, percebe-se um aumento de diagnósticos, principalmente em adolescentes do sexo feminino, não sendo exclusivos de mulheres ou dessa faixa etária. Pode ocorrer por vários fatores, como predisposição pessoal, presença de transtornos psíquicos (como ansiedade ou depressão, por exemplo), relações familiares e suscetibilidade a fatores externos, como influência da mídia e pressão social. A pandemia da Covid-19 foi um acelerador para o aumento de casos, possivelmente pela ansiedade gerada com o isolamento social e as incertezas sobre o futuro, as mudanças de hábitos alimentares e de práticas esportivas, além do maior uso de redes sociais.
Fatores psíquicos e biológicos interagem entre si: a predisposição genética pode ser “acionada” por fatores como estresse emocional, baixa autoestima e pressão estética. A ideia de que só a magreza está associada à beleza, ao sucesso social e profissional, impacta fortemente a atual geração de adolescentes, aumentando sua vulnerabilidade aos transtornos alimentares.
Do ponto de vista da família, a forma como os responsáveis falam sobre comida, corpo e aparência pode ter grande impacto nas crianças e adolescentes. Comentários frequentes sobre dietas, peso, “corpos ideais ou perfeitos” ou críticas ao próprio corpo e ao corpo de outras pessoas podem, mesmo sem intenção, reforçar a ideia de que o valor de alguém está associado à aparência física.
Atualmente as redes sociais têm um papel significativo na construção da autoestima dos adolescentes. Plataformas como Instagram, TikTok e outras estão repletas de imagens de corpos magros, esculpidos, frequentemente editados por filtros ou manipulados digitalmente. Influenciadores digitais promovem rotinas alimentares rígidas, desafios de perda de peso e estilos de vida que nem sempre são saudáveis ou alcançáveis. Esse bombardeio constante pode levar os jovens a desenvolverem uma percepção distorcida de si mesmos, comparando-se com padrões estéticos inalcançáveis.
A validação por meio de curtidas e comentários também pode reforçar a ideia de que a aparência física é mais importante do que o bem-estar emocional e a saúde. Aplicativos para controle de calorias são de fácil acesso e extremamente perigosos quando utilizados sem o conhecimento das necessidades básicas individuais.
Durante a adolescência, a necessidade de aceitação por parte do grupo de amigos se torna especialmente importante. Comentários sobre peso ou aparência feitos por colegas, brincadeiras de mau gosto ou a exclusão social podem afetar profundamente a autoestima. Adolescentes podem adotar dietas extremas ou esconder comportamentos alimentares prejudiciais para se adequarem ao grupo ou evitar críticas. Não é incomum que em um grupo de amigos várias pessoas tenham comportamentos de risco para o desencadeamento de transtornos alimentares, como um pacto entre amigos, para controle de alimentação e de peso.
Por vezes não é fácil identificar um transtorno alimentar, mas existem sinais de alerta que os familiares devem observar:
Mudanças bruscas nos hábitos alimentares: recusa em comer certos grupos de alimentos, pular refeições ou adoção de dietas restritivas sem orientação médica. É preciso ficar atento quando adolescentes se tornam repentinamente saudáveis e passam a querer comer somente vegetais e proteínas, rejeitando carboidratos, bolos, bolachas, chocolates e balas de que sempre gostaram. Outro sinal que chama a atenção é a recusa em comer fora de casa ou aceitarem somente alimentos que eles próprios preparam.
Mudanças de comportamento alimentar, como querer comer sozinho, ir frequentemente ao banheiro logo após as refeições, demonstrar culpa ou arrependimento por ter comido.
Perda ou ganho de peso acentuado e rápido e preocupação excessiva com o corpo, peso ou calorias.
Autoimagem distorcida: percepção negativa do próprio corpo, mesmo estando dentro do peso considerado saudável. A mudança de vestimentas, como a procura por roupas largas que disfarcem as formas corporais também pode ser um indício da má relação com o corpo.
Prática excessiva de exercícios físicos, muitas vezes sem orientação e de forma exagerada. Familiares costumam ficar orgulhosos quando adolescentes sedentários passam a praticar atividades físicas, mas é preciso observar a frequência, duração e/ou intensidade, pois um sinal de alerta acende quando essa se torna compulsiva. Assim como a relação comida-exercício: se a pessoa comeu mais do que o habitual, precisa se exercitar ou se não fez exercício no dia, come menos. Essa relação compensatória não é saudável e pode ser um sinal de transtorno alimentar.
Como ajudar?
É preciso estimular a saúde emocional e física de adolescentes, através de um diálogo aberto e acolhedor, sem julgamentos, validando seus sentimentos e oferecendo apoio emocional constante. Deve-se evitar comentários sobre peso, dieta ou aparência, mantendo o foco na promoção de saúde e não em padrões estéticos. Além disso, é positivo estimular a prática de atividades que promovam bem-estar físico e emocional, como esportes, arte, música ou leitura — o mais importante é que o adolescente se sinta realizado e pertencente.
É impossível evitar o uso das redes sociais a partir de uma certa idade. Por isso é preciso fazer um trabalho preventivo, que estimule a maturidade e reduza os riscos.
O “Dia Mundial de Conscientização dos Transtornos Alimentares” foi instituído no dia 2 de junho. É importante que haja conversas que conscientizem sobre os conteúdos consumidos, questionem estereótipos e que estimulem o pensamento crítico sobre o que é visto online, combinadas de supervisão aos acessos e postagens do adolescente.
Caso percebam sinais de alerta que sugiram a possibilidade de um transtorno alimentar, familiares devem procurar ajuda profissional especializada no tema. Quanto antes for iniciado o tratamento, maiores são as chances de cura.
Relatora: Andrea Hercowitz, Membro do Departamento de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo
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