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Cremesp realizou evento para discutir o exercício ilegal da Medicina


Foto: Osmar Bustos


Casos práticos com sequelas originadas em procedimentos realizados por não médicos e médicos sem a respectiva especialidade, em Anestesiologia, Oftalmologia, Acupuntura e Ortopedia, marcaram a 2ª Conferência Estadual da Lei do Ato Médico, promovida pelo Cremesp. Realizada em 15 de abril, na sede desta autarquia, o evento culminou com uma palestra proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Em formato híbrido, o encontro foi transmitido ao vivo pelo canal do Cremesp no Youtube e encontra-se disponível na plataforma.


A abertura do evento contou com a participação da presidente do Cremesp, Irene Abramovich; do 1º secretário, Angelo Vattimo; e do diretor do Departamento Jurídico, Joaquim Francisco Almeida Claro.


"Esta luta que o Conselho está levantando não é corporativa, mas da sociedade brasileira. Ela está relacionada aos profissionais que não têm formação médica e exercem atos privativos da Medicina.", afirmou Abramovich, salientando a importância de conscientizar as pessoas sobre a importância de escolher qual profissional vai atendê-las. "Quando há alguma intercorrência no procedimento, quem vai resolver é o médico e muitos deles estão respondendo a processos porque a sequela não tinha mais como ser revertida. As especialidades que abordaremos aqui são algumas que têm problemas gravíssimos em relação a esse caos que estamos vivenciando. Infelizmente, estão escolhendo os profissionais pelo Facebook, Instagram etc. Nós, médicos, não executamos atos que não sejam da nossa profissão", garantiu.


Vattimo enfatizou que o Cremesp promove essa discussão desde que a atual gestão assumiu há 4 anos e meio. "Temos como missão proteger a sociedade ao promover esses eventos, fiscalizar e fomentar as condições para que o médico exerça a profissão em sua plenitude. Infelizmente, a Lei do Ato Médico está sendo desrespeitada, pois os Conselhos de classe de muitas profissões da área da saúde - tão importantes e nobres quanto a Medicina - baixam Resoluções dando condições a esses profissionais para executarem prerrogativas médicas. Isso tem criado um imbróglio jurídico. É um problema muito sério. Porque fazem isso? Porque é um filão do ponto de vista financeiro. Nunca vi esses profissionais fazer algum procedimento que não seja lucrativo. Por isso, criamos a Comissão do Ato Médico e temos trabalhado arduamente também tomando iniciativas judiciais. Não podemos ficar silentes", afirmou o 1º secretário.


A seguir, foram discutidos os problemas das especialidades de Anestesiologia, Oftalmologia, Cirurgia Plástica, Acupuntura e Ortopedia, em relação à invasão de suas prerrogativas. A discussão girou em torno dos casos práticos, com sequelas, e demais problemas decorrentes do exercício ilegal da Medicina.


Anestesiologia

A discussão sobre Anestesiologia contou com a participação da dra. Ligia Andrade da Silva Telles Matias, membro da Câmara Técnica de Anestesiologia do Cremesp; do dr. Eduardo Henrique Giroud Joaquim, diretor de Defesa Profissional da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo; do dr. Alexandre Garcia D'Aurea, representante jurídico da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e do Centro de Pesquisas João Amorim; do dr. Eduardo Werebe, cirurgião torácico; do dr. Luciano Ornelas Chaves, cirurgião plástico; e do dr Tomás Bulgarin, chefe da Procuradoria Jurídica do Cremesp.


Lígia Matias iniciou o debate enfatizando que a Anestesiologia tem vários temas relativos a procedimentos anestésicos realizados por profissionais não médicos, como, principalmente, a sedação de pacientes.


Para Giroud Joaquim, a educação na defesa do ato médico deve abranger um tripé: informação, para conscientizar a população sobre o direito de ter um médico para exercer as prerrogativas médicas; fiscalização das atividades médicas; e judicialização. Poucos especialistas adicionaram tanta segurança a seus procedimentos como os anestesiologistas, disse. "Porém, mesmo sem especialização, os odontólogos estão realizando sedação, que é um ato médico de difícil controle. Por isso, estamos judicializando a questão, para que a anestesia seja realizada por um médico especializado", defendeu.


"Como ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e médico cirurgião, me pergunto para onde estamos caminhando. A Cirurgia Plástica e a Dermatologia são as especialidades mais atingidas pela invasão de suas prerrogativas", comentou Luciano Ornelas. Segundo ressaltou, ambas têm interface com outras especialidades, como a Cirurgia de Cabeça e Pescoço e a Otorrinolaringologia. "Nos unimos para realizar o melhor procedimento cirúrgico aos nossos pacientes e estamos certos que esse é o caminho mais seguro para eles. Porém, segundo uma pesquisa feita pelo Cremesp, 97% de suas sindicâncias de Cirurgia Plástica e Dermatologia relacionam-se a médicos não especialistas. Por isso, defendemos que o Conselho Federal de Medicina (CFM) crie uma Resolução sobre as especialidades, com poder de lei, uma ideia que, infelizmente, ainda não germinou", lamentou. Complementou dizendo que rinomodelações com ácido hialurônico, com um número enorme de necrose na ponta nasal, estão sendo feitas por não médicos. "E, após, a grave intercorrência, os pacientes vão aos nossos consultórios e ou ao serviço público para refazer os narizes necrosados".


"A discussão do ato médico já é uma realidade judicial", acrescentou o procurador jurídico do Cremesp, Carlos Magno Michaelis Júnior. Em sua opinião, "é pueril entender que apenas com mobilização administrativa consigamos um avanço claro nesta questão". O número de denúncias que chegam ao Conselho, de não especialistas e não médicos, é enorme, afirmou. "A Lei do Ato Médico delegou demais aos Conselhos profissionais, permitindo que regulamentasse a atividade privativa de cada profissão. Teremos neste evento, um ministro do STF, porque as ações estão chegando lá", observou


Oftalmologia

O debate em torno dos casos práticos da Oftalmologia reuniu a dra. Mirna Yae Yassuda Tamura, coordenadora da Câmara Técnica da especialidade, no Cremesp, o dr. Cristiano Caixeta, presidente do Conselho Brasileiro de Oftamologia; a dra. Nilva Simeren Bueno de Moraes, membro da Câmara Técnica de Oftalmologia do Cremesp e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unefesp); e Tomás Bulgarin, chefe da Procuradoria Jurídica do Cremesp.


Mirna Yassuda apresentou um compilado de casos que chegam ao Conselho sobre atos de profissionais não médicos que repercutem junto aos oftalmologistas. Uma das causas mais frequentes de denúncias, informou, é o atendimento de pacientes por optometristas. "Muitos pacientes ficam insastifeitos com os óculos e vão a um outro médico, que faz ele mesmo os exames, e muitos acabam descobrindo problemas oftalmológicos, como retinopatia diabética com edema macular e catarata", comentou. Outro caso citado pela conselheira é o das óticas com exame de vista grátis. "O Conselho recebe muitas denúncias em relação a pacientes com ceratocone, erros de grau em óculos... E, agora, optometristas estão começando a fazer curso de outras atividades da Oftalmologia, como o exame do fundo de olho, que, muitas vezes, leva os médicos à descoberta de diversas doenças sistêmicas", advertiu.


O atraso no diagnóstico de problemas oftalmológicos é muito grave, acentuou Nilva de Moraes. "A medida da pressão ocular tem de ser feita por oftalmologista. Sem isso, pode não haver algum eventual diagnóstico de glaucoma, o que pode levar a uma cegueira por não ter o tratamento adequado", observou a professora.


A defesa do ato médico não é de uma especialidade específica, mas da Medicina geral, defendeu Cristiano Caixeta. "Todas as vezes que acharmos que o problema do meu vizinho não é meu, vamos desestruturar todo o ecossistema da saúde, que é muito mais complexo. Por exemplo, a entrada do capital internacional, muitas vezes na calada da noite, reflete-se em toda a sociedade. Isso interfere no ato médico". O presidente do Conselho Brasileiro de Oftamologia alertou: "nós, da Oftalmologia, há muitas gestões trabalhamos na defesa da nossa área. Temos tentado entender os caminhos que temos de seguir. Há vazios assistenciais no Brasil que precisam ser trabalhados de forma diferente. Cerca de 80% da população estão onde temos grande capilaridade de médicos oftalmologistas. É necessária a construção de políticas de saúde, com referências e contrarreferências, a pactuação municipal é fundamental. Se não fizermos isso vamos enxugar gelo a vida inteira".


Caixeta acrescentou que a contratação de profissional não médico ou o médico não capacitado, fingindo que está fazendo medicina, não vai adiantar. "Temos de dialogar com todos os players porque a resposta aos danos causados é muito grande para a população, assim como o custo previdenciário por uma retinopatia diabética, glaucoma etc. Não se resolve um problema complexo com varinha mágica", afirmou.


Acupuntura

O 1º secretário, Angelo Vattimo; a coordenadora da Câmara Técnica de Acupuntura e membro do Colegio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo, Eliane Aboud ; Tomás Bulgarin, chefe da Procuradoria Jurídica, pelo Cremesp, e os convidados, dr. Hong Jin Pai, colaborador do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP; e Marcos Jong Pai, membro da Câmara de Acupuntura do Cremesp e diretor do Colégio Médico de Acupuntura, formaram a mesa que abordou os casos práticos da especialidade.


Casos de pacientes que foram para UTIs por pneumotórax em decorrência de agulhamentos realizados por não médicos foram citados durante o debate. Eliane Aboud relatou o caso recente de uma jovem que deu entrada no Pronto-Socorro, com quadro de dor torácica com piora ventilatória , sem outras patologias, iniciado 6 horas após um agulhamento por fisioterapeuta. "Era um pneumotórax de difícil tratamento, pois periférico. A paciente ficou quatro dias na UTI por

uma invasão do ato médico.


Digo que é invasão porque a pessoa que pratica um ato pelo qual não pode se responsabilizar e não é capaz de tratá-lo, está invadindo o ato médico". A conselheira deu também outro exemplo, de uma empresária que teve um pulmão perfurado após sessão de acupuntura, ao fazer massagem. Citou, ainda, um levantamento, de 2002 a 2017, com 100 casos de pneumotórax por acupuntura, com dois óbitos.


Hong Jin Pai, um dos pioneiros da acupuntura no Brasil e responsável pela formação de milhares de médicos acupunturistas no País, relatou a experiência chinesa na especialidade. "Estive na China entre 1982 e 1983 e encontramos muitas cegueiras causadas por não médicos. Durante a revolução cultural naquele país, incentivou-se muito que não médicos praticassem a especialidade, após curso de seis meses. Muitas pessoas sofriam nas mãos desses profissionais, principalmente em cirurgias, com anestesias feitas por eles. Morria muita gente por causa disso. Após o final da revolução cultural a prática da acupuntura por não médicos foi proibida", relatou.


A acupuntura é um procedimento invasivo, lembrou Marcus Yu Bin Pai. Segundo ele, as agulhas têm de três a sete centímetros de comprimento e quando são manipuladas em um paciente não é um agulhamento apenas superficial, na epiderme. "Para tratar problemas musculoesqueléticos, dor ciática, síndrome do periforme, tendinopadia, por exemplo, o agulhamento é mais localizado e profundo, com estimulação com eletroacupuntura, ou seja, com aparelho elétrico ou estimulação manual. É preciso ter conhecimento de anatomia para saber tratar. A acupuntura é indicada para várias patologias, mas é preciso saber os limites de cada tratamento. Não podemos retardar outros procedimentos convencionais que sejam necessários", garantiu.


Ortopedia

O painel sobre Ortopedia contou, pelo Cremesp, com a participação da presidente, Irene Abramovich; e do dr. Evandro Pereira Palácio e dr. Marcelo Tomanik Mercadante, membros da Câmara Técnica de Ortopedia e Traumatologia. Participaram, também, o dr. Jorge dos Santos Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), gestão 2020-2022; dr. Samuel Ribak, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão e chefe do Grupo de Cirurgia da Mão do Departamento de Ortopedia da PUC Campinas; e dr. Anastásio Kotzias Neto, especialista em Ortopedia, representando o CFM, em formato online.


Casos práticos da especialidade foram apresentados por Evandro Palácio. Um deles foi o de uma paciente que teria de fazer exame médico para frequentar uma piscina. Mas o exame foi realizado por uma profissional da Enfermagem. A paciente perguntou sobre uma lesão que tinha na unha e a enfermeira recomendou um antifúngico, liberando-a para utilizar a piscina. Porém, após o uso do medicamento, a paciente procurou um médico, já que a lesão não melhorava. "Quando a paciente chegou vimos na hora que não era uma micose e solicitamos uma tomografia. Resultado: lesão evidente de um tumor glômico, fizemos um procedimento para a retirada do mesmo", esclareceu.


Para Anastásio Kotzias, os casos de atendimento por não médicos que causam danos são múltiplos. "Vimos aqui o exemplo de alguns, mas a gente vê isso todos os dias nos consultórios", afirmou.


Em mesa com a participação de Irene Abramovich, Angelo Vattimo e Carlos Magno Michaelis Júnior, o ministro do STF, André Mendonça, proferiu uma conferência, finalizando o evento. Após saudar os médicos, o juiz esclareceu que sem considerar as circunstâncias específicas que foram debatidas durante o encontro, traria uma visão mais global à luz da Constituição, no âmbito legal em relação ao Ato Médico e sobre o debate que essa discussão trava ou poderá vir a travar no poder judiciário.


“O médico é o maior garantidor do direito à vida”, afirma o ministro do STF, André Mendonça.


Neste sentido, fez algumas considerações sobre direitos fundamentais. "O primeiro está descrito no caput do artigo 5º da Constituição, junto a outros direitos fundamentais: é o direito à vida. É um dos mais importantes. É o direito em relação ao qual nenhum outro poderá ser exercido sem ele. Não podemos falar em liberdade e em igualdade sem a garantia do direito à vida. E quem garante o direito à vida ou quem, no âmbito da nossa sociedade, tem a função precípua de garantir o direito à vida? É o médico, não é o juiz, nem o advogado ou outra profissão, por mais importante que seja, da área da saúde. Por essência é o médico", assegurou o juiz do Supremo.


O mesmo artigo 5º trata das liberdades, ressaltou o ministro. "A Constituição diz que é livre qualquer ofício, trabalho ou profissão. Porém, essa liberdade, no âmbito do Estado de Direito, demanda uma liberdade regulada, conforme dispõe a lei." Dentro da liberdade regulada, comentou, não basta a um advogado, por exemplo, diplomar-se em Direito, é preciso fazer um Exame de Ordem ou, para exercer algumas atribuições, cumprir outros requisitos. "Todo mundo tem a liberdade para ser médico ou advogado, mas o primeiro requisito é fazer uma faculdade de Direito ou de Medicina, reconhecida regularmente pelo Ministério da Educação (MEC)", explanou.


Sobre as habilidades científicas da Medicina, Mendonça ressaltou que o médico, ao analisar um paciente, checa os exames, o quadro clínico, o histórico familiar, o estilo de vida etc. É complexo, disse. "Mas estamos chegando em um ponto em que todos entendem de Medicina, ao buscar no Google e, agora, no chatGPT. Mas, por mais que seja uma evolução, a Inteligência Artificial não necessariamente pode ser certificada como verdadeira."


O ministro demonstrou estar preocupado, também, com a proliferação dos cursos de Medicina. "Não sabemos mais a qualificação dos médicos que estão saindo da universidade e não temos segurança. Se vou fazer um exame de rotina. sei onde vou. Mas se tenho um acidente na rua ou em uma rodovia, se há uma parada cardíaca, quem vai me atender? Será onde o Samu me levar", argumentou. Nesse âmbito, ponderou, "penso que temos de considerar um Exame de Ordem para as pessoas que estão se formando. É debate que precisa ser feito em relação aos limites dos cursos de Medicina."


Lei do Ato Médico

Em relação à Lei do Ato Médico, Mendonça advertiu que é preciso tomar cuidado para se distinguir o que é uma busca corporativista de uma preocupada com a população. "A saúde é um direito de todos e um dever do Estado e cabe a este regulamentar com base no atendimento de que interesse? Nem o do médico, nem o do odontólogo ou de qualquer outro profissional, mas com base no interesse do paciente, do individuo, que deve ter o atendimento mais seguro e efetivo pelos profissionais habilitados a fazer o procedimento." E questionou: "que qualificação é preciso ter para exercer aquela atividade, para não gerar um risco? É preciso reduzir esse risco ao mínimo possível. É muito escassa a discussão judicial em relação à Lei do Ato Médico. No STF não encontrei um julgado que tratasse diretamente deste tema. É preciso delimitar as atividades da saúde e não temos uma delimitação adequada".


Segundo defendeu, é preciso, primeiramente, um processo constante de convencimento. com foco no cidadão e no paciente. Em segundo, "ter foco nas melhores práticas de grandes países, como os europeus ou os Estados Unidos. Em terceiro, distinguir essas experiências, pois nem tudo que funciona na Alemanha, funcionará no Brasil".


Por último, o juíz do STF fez um apelo aos médicos para que se organizem e busquem a construção de consensos internos de argumento e fundamentos adequados para preservar "não apenas aquilo que é a essência da Medicina, mas a essência do direito à saúde de todo o cidadão".


Mendonça ressaltou que está à disposição não apenas dos médicos, mas de todos os profissionais, para ouvir as preocupações e as necessidades, objetivando que o bom direito à saúde do cidadão seja garantido. "Tenho certeza de que os CRMs e o CFM terão grande contribuição a dar ao STF para tentar dar efetividade a um direito tão fundamental à população, que é o da saúde", finalizou.


Ao final da explanação, Angelo Vattimo apresentou ao ministro uma nota pública elaborada pela Câmara Técnica de Psiquiatria do Cremesp sobre recente Resolução do Conselho Nacional de Justiça a respeito do fim dos hospitais de custódia. Confira aqui a matéria completa sobre o assunto.



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